A psicóloga Luciana Slaviero Pinheiro Cerdeira fala sobre “Tornar-se mãe”

12/10/2018 - 20:00 | Por: Circolare


Luciana Slaviero Pinheiro Cerdeira é psicóloga, psicanalista, membro filiado do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e do Instituto Sedes Sapiente e, uma vez por mês, ela vai escrever aqui no Circolare sobre crianças, adolescentes e outros temas interessantes sobre nossa vida psíquica.

O terceiro artigo de Luciana é sobre a primeira gestação.

“Tornar-se mãe”

“A maternidade marca uma nova fase na vida da mulher. A primeira gestação  envolve grandes transformações e sentimentos intensos, medos e expectativas. É um período de expansão e redefinição de papéis e funções uma vez que a gestante, além de filha e mulher, passa a ser mãe. 

O desejo de ser mãe pode surgir na menina por meio da identificação com sua mãe ou com figuras maternais com quem teve contato. A fantasia de tornar-se cessora, e não apenas receptora dos cuidados maternos, é nutrida pela menina através de brincadeiras onde aspectos importantes da função materna estão sendo introjetados.

Tornar-se mãe é um processo complexo que inclui dimensões conscientes e inconscientes como o desejo da mulher de completude, de experimentar a potência e a produtividade de seu corpo, de dar continuidade à sua própria existência e de realizar os próprios ideais através de seu bebê. Além disso, a experiência viva e fértil de um encontro amoroso e criativo, a partir do qual o bebê é gerado, pode ser experimentada.

A mulher relaciona-se com seu bebê a partir de fantasias e expectativas baseadas em seu mundo interno, em suas primeiras relações e em suas necessidades conscientes ou não. Durante os meses de gestação, mãe e bebê são gestados. No parto de um bebê, nasce também uma mãe.

Logo após o nascimento, ocorre um período de transição que também pode ser chamado de “quarto trimestre da gravidez” marcado pela cesura do nascimento, onde mãe e bebê vivem uma experiência primordial que será de grande importância para ambos. 

A mãe um dia já foi bebê e seu psiquismo contém marcas deixadas por essa experiência que permeiam o exercício da maternidade e a comunicação silenciosa e não verbal da dupla mãe-bebê, que em toda sua complexidade envolve a identificação de semelhanças e percepção de diferenças por parte da mãe e a leitura, tradução e acolhimento das necessidades do bebê. O encontro mãe-bebê pode ser muito gratificante, mas não é livre de sofrimentos, transbordamentos, tentativas, acertos e erros. Neste momento, a intuição materna pode contribuir mais do que a opinião de especialistas e livros, por melhores que sejam as intenções.

Durante a gestação e nos primeiros meses de vida do bebê, ocorre um aumento da sensibilidade da mulher e uma diminuição das defesas. De maneira normal e temporária, a mulher retira seu interesse do mundo externo para dedicar-se e adaptar-se às necessidades de seu bebê totalmente dependente neste momento inicial, num estado chamado pelo psicanalista inglês Donald Winnicott de “preocupação materna primária da mãe dedicada comum”. Neste período, pode ser observado desde um aumento da capacidade perceptiva e criativa da mulher até uma tendência maior para a depressão, acompanhada de um sentimento de vulnerabilidade. O suporte ambiental é de vital importância pois podem surgir quadros chamados de tristeza pós-parto (blues maternity), depressão ou ainda uma psicose puerperal, quadros com diferenças importantes que demandam cuidados uma vez que repercutem na  relação, na qualidade do vínculo e na saúde mental mãe-bebê em maior ou menor grau, dependendo do tempo de permanência e da intensidade dos sintomas tais como: crises de choro, ansiedade, fadiga, preocupações excessivas com o bebê, perda do prazer, desalento, irritabilidade, hipocondria, sentimentos de culpabilidade, inadequação e incapacidade quanto à maternidade, e, em quadros mais severos, alterações importantes de humor e cognição, ideações delirantes, alucinações.

É fundamental um ambiente sensível e continente das angústias da mulher, possibilitando um espaço que permita que sentimentos contraditórios possam ser acolhidos diante de um período de intensificação da ambivalência de afetos em que aspectos regressivos e primitivos estão sendo mobilizados, reconhecendo a necessidade de um tempo para adaptação e resgate da segurança nos objetos internos, no saber intuitivo e na capacidade de ser mãe. 

Em alguns casos é importante buscar um suporte psicoterapêutico neste momento de notável mobilização psíquica da mulher para que se possa retomar o caminho do desenvolvimento emocional e físico sadios da dupla mãe-bebê, acolhendo os aspectos perturbadores da relação e permitindo um maior alívio dos processos dolorosos que a acometem.”

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